Questões resolvidas sobre norma culta e língua falada

Confira a resolução de questões do Enem sobre a norma culta e a língua falada! São 3 questões de diferentes níveis e uma videoaula para você acabar com suas dúvidas!

Na Matriz de Referência do Enem, podemos observar que a prova de Linguagens busca investigar se os estudantes possuem as habilidades de reconhecer diferentes tipos de linguagem (como a norma culta e a língua falada), bem com as variações linguísticas que permeiam a língua portuguesa.

A competência 8, por exemplo, assinala que o estudante deve “compreender e usar a língua portuguesa como língua materna, geradora de significação e integradora da organização do mundo e da própria identidade.”

Ou seja, essa competência e suas habilidades indicam que as questões do Enem testarão seus conhecimentos sobre a norma culta da língua portuguesa. Também vão testar se você consegue entender a importância cultural e histórica das variações linguísticas que permeiam a língua falada nas diferentes regiões de nosso país.

Sendo assim, nesta quinta aula da nossa série “Interpretação de texto para o Enem”, vamos recapitular com você de forma resumida questões teóricas acerca da norma culta. Em seguida, você encontrará questões do Enem que abordam esse tema resolvidas e comentadas pela professora Mercedes Bonorino. Vamos estudar?

Norma culta e língua falada

Pode-se dizer que dominar uma língua é saber dominar suas variedades. Uma mesma pessoa pode – e deve – saber mudar o seu nível de linguagem de acordo com a situação de comunicação na qual se encontra.

Perceba que a linguagem formal deve seguir as regras da gramática formal que unifica a língua para que todos os seus falantes – independente da região e da situação – possam se entender. É nessa variante formal que as leis, as notícias, textos científicos e a redação do Enem devem ser escritos.

Mas não há problema também em usar a variante mais informal (assim como a roupa) em situações de informalidade. Chamamos de linguagem coloquial ou coloquialidade a essa variante menos sujeita às regras gramaticais e mais próxima da oralidade.

Veja no resumo a seguir como a norma culta e a coloquial se relacionam:

Resumo sobre norma culta

Questões sobre norma culta e língua falada

Em seguida, assista à videoaula sobre norma culta e confira o texto escrito com resolução de três questões do Enem:

Questão de nível fácil

(Enem-2010)

S.O.S Português

Por que pronunciamos muitas palavras de um jeito diferente da escrita? Pode-se refletir sobre esse aspecto da língua com base em duas perspectivas. Na primeira delas, fala e escrita são dicotômicas, o que restringe o ensino da língua ao código. Daí vem o entendimento de que a escrita é mais complexa que a fala, e seu ensino restringe-se ao conhecimento das regras gramaticais, sem a preocupação com situações de uso. Outra abordagem permite encarar as diferenças como um produto distinto de duas modalidades da língua: a oral e a escrita. A questão é que nem sempre nos damos conta disso.

S.O.S Português. Nova Escola. São Paulo: Abril, Ano XXV, nº- 231, abr. 2010 (fragmento adaptado).

O assunto tratado no fragmento é relativo à língua portuguesa e foi publicado em uma revista destinada a professores. Entre as características próprias desse tipo de texto, identificam-se marcas linguísticas próprias do uso:

a) regional, pela presença de léxico de determinada região do Brasil.

b) literário, pela conformidade com as normas da gramática.

c) técnico, por meio de expressões próprias de textos científicos.

d) coloquial, por meio do registro de informalidade.

e) oral, por meio do uso de expressões típicas da oralidade.

Comentários

A questão acima pode ser considerada de nível fácil. Isso porque o comando orienta claramente o candidato a pensar em uma linguagem mais formal porque “foi publicado em uma revista destinado a professores”. Assim, fica fácil de o candidato perceber que esse texto deve estar escrito em linguagem formal cujo público-alvo são professores. Logo, a linguagem deve ser elaborada com vocabulário compatível.

Sabendo disso, vamos analisar as alternativas:

a) “regional”: linguagem regional não é compatível com um texto de revista destinada a professores em geral. Sendo assim, a alternativa está incorreta.

b) “literário”: seguir as normas da gramática é o que se espera em um texto em uma revista especializada para professores, mas não deve ser literário. Errada.

c) “técnico expressões científicas”: linguagem compatível com publicações especializadas – texto formal e com vocabulário compatível a esse tipo de publicação. Essa é a resposta correta.

d) “coloquial”: erradíssima! Um texto com essas características não deve ser escrito em linguagem informal ou coloquial.

e) “oralidade”: a alternativa está incorreta pelo mesmo motivo da alternativa D.

Como dito acima, no próprio enunciado da questão há um comando que orienta o candidato a procurar uma alternativa que contenha características de linguagem formal e culta. Moleza, não é mesmo?

Questão de nível médio

(Enem-2010)

Venho solicitar a clarividente atenção de Vossa Excelência para que seja conjurada uma calamidade que está  prestes a desabar em cima da juventude feminina do Brasil. Refiro-me, senhor presidente, ao movimento entusiasta que está empolgando centenas de moças, atraindo-as para se transformarem em jogadoras de futebol, sem se levar em conta que a mulher não poderá praticar este esporte violento sem afetar, seriamente, o equilíbrio fisiológicos de suas funções orgânicas, devido à natureza que dispôs a ser mãe, Ao que dizem os jornais, no Rio de Janeiro, já estão formados nada menos de dez quadros femininos. Em São Paulo e Belo Horizonte também já estão se constituindo outros. E, neste crescendo, dentro de um ano, é provável que em todo o Brasil estejam organizados uns 200 clubes femininos de futebol: ou seja: 200 núcleos destroçados da saúde de 2,2 mil futuras mães, que, além do mais, ficarão presas a uma mentalidade depressiva e propensa aos exibicionismos rudes e extravagantes.

Coluna Pênalti. Carta Capital. 28 abr. 2010.

O trecho é parte de uma carta de um cidadão brasileiro, José Fuzeira, encaminhada, em abril de 1940, ao então presidente da República Getúlio Vargas. As opções linguísticas de Fuzueira mostram que seu texto foi elaborado em linguagem

a) regional, adequada à troca de informações na situação apresentada.

b) jurídica, exigida pelo tema relacionado ao domínio do futebol.

c) coloquial, considerando-se que ele era um cidadão brasileiro comum.

d) culta, adequando-se ao seu interlocutor e à situação de comunicação.

e) informal, pressupondo o grau de escolaridade de seu interlocutor.

Comentários e resolução da questão

Assim como na questão anterior, o comando orienta claramente o candidato a pensar em uma linguagem mais formal porque é uma carta de um cidadão brasileiro ao presidente da República.

Ora, independente do grau de escolaridade de quem está escrevendo, é fundamental entender que a intenção do emissor é escrever em norma culta. O candidato deve perceber que esse texto deve estar escrito em linguagem formal cujo público-alvo é o presidente.

Note que, mesmo sem ler o texto, seria possível responder à questão com base nas características de um texto formal e tentar localizar a alternativa compatível com essas características.

Vejamos as alternativas

a) “regional”: linguagem regional não seria compatível com uma carta a um presidente e publicada em um jornal. Além disso, se lermos o texto, não encontraremos regionalismos. Portanto, a alternativa está incorreta.

b) “jurídica – do domínio do futebol”: apesar de a linguagem jurídica poder ser considerada compatível com um texto destinado ao presidente da República, o fato de ser do domínio do futebol não é. Essa alternativa “bateu na trave”.

c) “coloquial”: errada. Um texto com essas características não deve ser escrito em linguagem informal ou coloquial.

d) “culta, adequando-se ao seu interlocutor”: correta. Note que é exatamente essa a expectativa em relação a uma comunicação que se dirige ao presidente da República.

e) “informal”: errada pelo mesmo motivo da alternativa C.

Novamente é importante destacar que o comando da questão já orienta o candidato a procurar uma alternativa que contenha características de linguagem formal e culta. Ela foi considerada de nível médio, dado o fato de o texto ser mais longo e tentar confundir com a questão do futebol – assunto secundário, se levarmos em consideração o comando da questão.

Questão de nível difícil

(Enem-2012)

Entrevista com Marcos Bagno

Pode parecer inacreditável, mas muitas das prescrições da pedagogia tradicional da língua até hoje se baseiam nos usos que os escritores portugueses do século XIX faziam da língua. Se tantas pessoas condenam, por exemplo, o uso do verbo “ter” no lugar de “haver”, como em “hoje tem feijoada”, é simplesmente porque os portugueses, em dado momento da história de sua língua, deixaram de fazer esse uso existencial do verbo “ter”.

No entanto, temos registros escritos da época medieval em que aparecem centenas desses usos. Se nós, brasileiros, assim como os falantes africanos de português, usamos até hoje o verbo “ter” como existencial é porque recebemos esses usos de nossos excolonizadores. Não faz sentido imaginar que brasileiros, angolanos e moçambicanos decidiram se juntar para “errar” na mesma coisa. E assim acontece com muitas outras coisas: regências verbais, colocação pronominal, concordâncias nominais e verbais etc. Temos uma língua própria, mas ainda somos obrigados a seguir uma gramática normativa de outra língua diferente. Às vésperas de comemorarmos nosso bicentenário de independência, não faz sentido continuar rejeitando o que é nosso para só aceitar o que vem de fora.

Não faz sentido rejeitar a língua de 190 milhões de brasileiros para só considerar certo o que é usado por menos de dez milhões de portugueses. Só na cidade de São Paulo temos mais falantes de português que em toda a Europa!

Informativo Parábola Editorial, s/d.

Na entrevista, o autor defende o uso de formas linguísticas coloquiais e faz uso da norma padrão em toda a extensão do texto. Isso pode ser explicado pelo fato de que ele

a) adapta o nível de linguagem à situação comunicativa, uma vez que o gênero entrevista requer o uso da norma padrão.

b) apresenta argumentos carentes de comprovação científica e, por isso, defende um ponto de vista difícil de ser verificado na materialidade do texto.

c) propõe que o padrão normativo deve ser usado por falantes escolarizados como ele, enquanto a norma coloquial deve ser usada por falantes não escolarizados.

d) acredita que a língua genuinamente brasileira está em construção, o que o obriga a incorporar em seu cotidiano a gramática normativa do português europeu.

e) defende que a quantidade de falantes do português brasileiro ainda é insuficiente para acabar com a hegemonia do antigo colonizador.

Comentários

Essa questão assusta o candidato só pelo tamanho do texto. Mas, a essa altura da nossa série, você já deve estar ciente de que não há a necessidade de ler o texto inteiro para saber o que, de fato, o Enem quer na questão. Basta seguir o protocolo de primeiro ler o comando da questão, em seguida ler os elementos extratextuais (como as referências) e, quem sabe, o tópico frasal de cada parágrafo.

Tópico frasal: período interno de um parágrafo que contém a ideia central. Corresponde a um período específico.

Antes de ler o texto, já no comando da questão, você sabe que se trata de uma entrevista com alguém que defende o uso de formas linguísticas coloquiais, mas que faz uso da norma culta ao longo do texto. A pergunta do enunciado é: por que ele – o autor utiliza a norma culta nesse texto?

Pense antes de ler as alternativas. O autor usa a norma culta, pois se trata de uma entrevista! Esse gênero textual requer uma linguagem mais formal e não coloquial.

Resolução da questão

Com isso em mente, vamos ler as alternativas e marcar a que mais se aproxima desse raciocínio:

a) “adapta o nível de linguagem à situação comunicativa”: certa. É exatamente o que falamos na aula teórica: a linguagem deve adaptar-se aos variados contextos. Como dito acima, em uma entrevista, mesmo que ela tenha como tema principal o uso da linguagem coloquial, deve ser escrita em norma padrão.

b) O autor traz uma série de argumentos com comprovação científica ao longo do texto, caso o candidato queira lê-lo até o final. E defende um ponto de vista fácil de ser observado e exemplifica.

c) Cuidado! Essa alternativa, além de estar errada, traz um preconceito linguístico em relação àqueles que não têm escolaridade.

d) Realmente o texto fala em linguagem em construção, mas não diz quais mudanças o português europeu deve – obrigatoriamente – incorporar.

e) Errado. O Brasil é o país que tem mais falantes de língua portuguesa.

Nesta questão, o comando já orienta o candidato a procurar uma alternativa que contenha características de linguagem formal e culta. Ela foi considerada de nível difícil, pois o texto, além de longo, traz conceitos importantes de variação linguística.

Sobre o(a) autor(a):

A professora Mercedes Bonorino é Graduada em Letras Clássicas e Vernáculas e Linguística pela USP e mestre em Linguística pela UFSC. Leciona Língua Portuguesa na rede de ensino privada de São Paulo e Florianópolis desde 1998.