A formação do povo brasileiro ocorreu por meio da miscigenação de 3 grupos principais: indígenas, africanos e europeus.
Quando estudamos a população brasileira, devemos considerar a sua formação e diversidade étnico-cultural, os principais períodos de movimentação populacional, além das correntes migratórias internas e internacionais. Nesta aula, iremos abordar as origens e primeiros momentos da formação do povo brasileiro e as suas matrizes étnicas.
Composição étnica do Brasil
Embora já existissem diferentes povos no atual território brasileiro há alguns milhares de anos, a população do Brasil como conhecemos começou a ser formada após a chegada dos portugueses. Ela é composta, principalmente, a partir de povos nativos ou indígenas, africanos e europeus.
A maior parte dos africanos tinha origem etnolinguística banto e iorubá. Os europeus vieram principalmente de Portugal e, em menor quantidade, de outros países que se lançaram aos mares no período das grandes navegações.
O Brasil é um dos países mais miscigenados do mundo e essa diversidade resulta da contribuição de vários povos na formação de uma identidade. Entre esses povos estão, nos primeiros momentos:
- os indígenas;
- os primeiros colonizadores (portugueses) e imigrantes (franceses, ingleses, holandeses, entre outros);
- e os africanos, vindos principalmente de áreas situadas nos atuais territórios de Angola, Moçambique e Nigéria, na África, em um processo de migração forçada para abastecer o comércio de escravos negros no Brasil.
Contudo, a partir de meados do século XIX, a formação da população brasileira teve influência de muitos outros povos que imigraram para o país buscando melhores condições de vida.
Assim, temos como exemplo os europeus, como italianos, espanhóis, alemães e poloneses quese somaram aos portugueses; os asiáticos vindos do Japão e, entre outros, de países do Oriente Médio; os latino-americanos, vindos principalmente da Bolívia, Chile, Venezuela e Haiti; além de africanos provenientes, na sua maioria, de Moçambique, Guiné-Bissau, Guiné, Angola, Cabo Verde, Senegal, Gana e República Democrática do Congo.
A formação do povo brasileiro segundo Darcy Ribeiro
Darcy Ribeiro (1922-1997), antropólogo, escreveu uma das obras mais importantes para a compreensão a formação étnica e cultural do povo brasileiro. Seu ensaio histórico-antropológico foi intitulado “O Povo Brasileiro – A formação e o sentido do Brasil” e editado em 1995.
Nessa obra, Ribeiro buscou responder à pergunta “por que o Brasil não deu certo?”, pesquisando sobre a formação do povo brasileiro. Em seu estudo, defendeu que a miscigenação foi um fator fundamental para a diversidade que caracteriza o Brasil.Capa de “O Povo Brasileiro – A formação e o sentido do Brasil”, de Darcy Ribeiro, com uma imagem que é parte do quadro “Operários”, de Tarsila do Amaral.
De acordo com o autor, o que define um povo é o conjunto de características que faz dele um grupo identitário. É o que o torna, portanto, diferente de outros grupos. Então, as três matrizes étnicas que teriam formado a identidade do povo brasileiro seriam: o colonizador branco (os portugueses), os índios e os negros africanos.
O antropólogo também cunhou o termo “Nova Roma” para classificar o que seria o Brasil nesse processo de formação do povo brasileiro, através da desconstrução dessas três matrizes. No entanto, a “Nova Roma” tropical teria sido formada, lamentavelmente, “lavada em sangue índio e negro”.
Essa é uma referência ao genocídio de aproximadamente 6 milhões de índios que aqui viviam e às mortes de mais de 12 milhões de negros – considerando-se que o Brasil foi o país que mais recebeu africanos escravizados, em condições extremamente desumanas. E tudo isso, segundo Ribeiro, para enriquecer a metrópole com açúcar, ouro e demais riquezas dessas terras.
Indígenas e europeus
O “cunhadismo” foi o modo como os tupinambás introduziram estranhos à sua sociedade. Isso porque, na época da colonização, a união com cônjuges não índios podia acarretar diferentes formas de inclusão e adaptação social dos indígenas. Poderia até mesmo causar a redefinição da condição étnica, social e civil da prole.
Em São Paulo, onde a captura de índios para serem tornados escravos tornou-se a principal atividade econômica, teve início essa miscigenação através do cunhadismo. Assim, surgiram os brasilíndios ou mamelucos. Segundo Darcy Ribeiro, formavam um povo que não era índio e nem português, que foi primordial na formação étnica do brasileiro e na ocupação e expansão territorial do país.
Além disso, dos brasilíndios paulistas é que teriam surgido os bandeirantes, que atuavam na captura de escravos fugitivos, aprisionamento de indígenas e na procura de pedras e metais preciosos pelo interior do Brasil.
Os diferentes Brasis
Um traço particular da formação do povo brasileiro, mesmo com toda essa mestiçagem, seria a presença grandes grupos socioculturais que, embora distintos, se complementariam. Por isso, ele classificou os grupos socioculturais da seguinte forma:
- Brasil crioulo: do litoral de São Luís ao Rio de Janeiro, muito influenciado pela África.
- Brasil caboclo: a região Norte, com a Amazônia e os índios.
- Brasil sertanejo: sertão nordestino e a caatinga.
- Brasil caipira: Centro-Oeste e Sudeste, sob influência da metrópole paulistana.
- Brasil sulino: mamelucos vivendo em uma área muito rica e fértil, os pampas gaúchos, e com forte interferência europeia.
Diferentemente de Gilberto Freyre (1900-1987), que acreditava que a miscigenação daqui teria o poder de corrigir a distância social entre a “casa grande e a senzala”, Ribeiro não via na mestiçagem, por si só, uma possibilidade de “democracia racial”.
Para existir a democracia racial, segundo ele, precisaríamos viver numa democracia social, reduzindo as grandes desigualdades entre as classes ricas e as pobres e a desumanização das relações de trabalho.
As três matrizes étnicas da formação do povo brasileiro
Como já vimos acima, a chegada dos colonizadores portugueses ao Brasil e a implantação de atividades econômicas na colônia levaram os europeus a explorar a mão de obra nativa.
Anos mais tarde, escravos trazidos da África substituíram essa mão de obra. Assim, coabitaram em nosso território três povos distintos: os indígenas, os africanos e os europeus. Eles compõem juntos as principais matrizes formadoras da cultura do país, influenciando as tradições, os valores e o modo de vida do povo brasileiro.O Casamento, quadro de 1940, pintado por Tarsila do Amaral. A obra retrata a diversidade étnica da população brasileira, com a miscigenação de europeus, africanos e indígenas na concepção de população. Fonte: https://bit.ly/3hGWpnv
Os indígenas
Estima-se que em 1500 algo entre 1 milhão e 6,8 milhões de nativos, pertencentes a várias etnias, habitavam o atual território brasileiro. As maiores populações, ocupando grandes extensões, eram das etnias Jê e Tupi-Guarani.
Desde então, um intenso genocídio reduziu drasticamente essa população. As principais causas foram as doenças trazidas pelos europeus e as guerras e resistências frente aos colonizadores. Muitos povos sofreram também com o etnocídio ao adotarem hábitos dos colonizadores, como língua, religião e os modos de vida em geral.
Atualmente, a população indígena no Brasil é de aproximadamente 897 mil pessoas, correspondendo a cerca de 0,47% da população brasileira. Muitas de suas comunidades indígenas vivem em reservas indígenas. Na Amazônia Legal, cada vez ameaçada por interesses econômicos, vive hoje em torno de 60% da população indígena do nosso país.
Os africanos
Entre 1532 e 1850, mais de quatro milhões de africanos foram trazidos de modo forçado para serem escravizados e tiveram sua entrada registrada nos portos nacionais. No entanto, é possível que um grande número de africanos não tenha sido registrado oficialmente e que o tráfico negreiro tenha sido ainda maior.
Mas sabe-se que muitos outros não sobreviveram às péssimas condições dos navios e acabaram falecendo durante a travessia intercontinental. A maioria era proveniente do golfo de Benin e das regiões que atualmente compreendem os territórios de Angola (ao sul do continente, costa ocidental) e Moçambique (também ao sul, mas na costa oriental).
Em terras brasileiras, por lei, os escravos eram propriedades e não tinham direitos. Da mesma forma, não podiam possuir ou doar bens e nem iniciar processos judiciais. Por outro lado, estavam sujeitos a castigos e punições. Mas não eram todos os escravos que aceitavam as condições pelas quais estavam submetidos.
Assim, fugas, resistências e revoltas foram frequentes durante todo o longo período da escravidão no Brasil. Centenas de “quilombos”, dos mais variados tipos, tamanhos e durações foram organizados. Eles eram criados por escravos negros que fugiam e procuravam ali reconstruir suas tradicionais formas de associação política, social, cultural e de parentesco.
A escravidão foi abolida no Brasil apenas no ano de 1888, último país do continente americano a finalizar esse tipo de regime. Todavia, a falta de quaisquer políticas para essa população causou uma enorme desigualdade que persiste até os nossos dias.
Os negros na atual composição da população brasileira
Atualmente, cerca de 56,10% da população brasileira se autodeclara negra (pretos ou pardos) no Brasil. Embora representem mais da metade da população, negros e negras são a maior parte entre aqueles que não têm emprego ou estão subocupados.
Também são a maioria entre as vítimas de homicídio e compõem mais de 60% da população carcerária do país. Os resquícios da escravidão também persistem nas diversas manifestações que o racismo assume em nosso país.
No ano de 2019, pela primeira vez, os negros passaram a ser maioria no ensino superior público do Brasil. Ainda assim, são minoria nas posições de liderança no mercado de trabalho e entre representantes nos três poderes.
Os europeus
Entre as correntes migratórias livres, a mais importante é, sem dúvida, a portuguesa. Uma grande quantidade de pessoas migrou de Portugal para o Brasil desde a colonização até as últimas décadas, espalhando-se por todo o território nacional.
Até o ano de 1883, a segunda maior corrente migratória livre, foi a italiana; a terceira, a alemã; e a quarta, a espanhola. A partir de 1850, a expansão dos cafezais pelo Sudeste e as políticas de colonização da região sul levaram o governo a criar medidas de incentivo à vinda de imigrantes europeus para substituir a mão de obra escravizada.
Muitas vezes, esses imigrantes eram seduzidos por propostas enganosas e já chegavam aqui endividados, o que ficou conhecido como “escravidão por dívida”. Por fim, na região Sul, os imigrantes (portugueses, italianos, alemães, entre outros) frequentemente ganhavam a propriedade da terra, onde fundaram diversas colônias de povoamento.
Videoaula
Para entender melhor a formação do povo brasileiro, assista à videoaula abaixo, com o professor Raphael Carrieri, do canal do Curso Enem Gratuito!
Exercícios sobre a formação do povo brasileiro
1- (Enem-2015)
A língua de que usam, por toda a costa, carece de três letras; convém a saber, não se acha nela F, nem L, nem R, coisa digna de espanto, porque assim não têm Fé, nem Lei, nem Rei, e dessa maneira vivem desordenadamente, sem terem além disto conta, nem peso, nem medida.
GÂNGAVO, P M. A primeira história do Brasil: história da província de Santa Cruz a que vulgarmente chamamos Brasil. Rio de Janeiro: Zahar, 2004 (adaptado)
A observação do cronista português Pero de Magalhães de Gândavo, em 1576, sobre a ausência das letras F, L e R na língua mencionada, demonstra a
a) simplicidade da organização social das tribos brasileiras.
b) dominação portuguesa imposta aos índios no início da colonização.
c) superioridade da sociedade europeia em relação à sociedade indígena.
d) incompreensão dos valores socioculturais indígenas pelos portugueses.
e) dificuldade experimentada pelos portugueses no aprendizado da língua nativa.
2- (Unesp-2015-2)
De acordo com Darcy Ribeiro, dois movimentos caminharam concomitantemente ao longo do processo de formação do povo brasileiro:
a) a produção de uma unidade étnica nacional e a conformação de uma cultura nacional homogênea.
b) a produção de uma sociedade nacional multiétnica e a coexistência de culturas regionais em extinção.
c) a produção de uma sociedade nacional multiétnica e a conformação de culturas regionais transplantadas de outros países.
d) a produção de uma unidade étnica nacional e a conformação de diversidades socioculturais regionais.
e) a produção de uma sociedade nacional multiétnica e a coexistência de culturas regionais fragmentadas.
3- (UNICENTRO)
“Quando se menciona o trabalho escravo no Brasil, a primeira lembrança é a da escravidão negra. Realmente, foi ela a mais marcante, a mais longa e terrível; mas o trabalho escravo se inicia no Brasil com a escravidão indígena”
(Tomazi, Nelson Dácio (coordenador). Iniciação à Sociologia. São Paulo: Atual, 2000, p.62).
Considerando a realidade estabelecida pela implantação do trabalho escravo dos negros africanos trazidos ao Brasil, assinale a alternativa incorreta.
a) As condições de vida dos escravos africanos eram terríveis, razão pela qual a média de vida útil deles não ultrapassava os quinze anos.
b) Os negros africanos reagiram à escravidão das mais diversas formas: através das fugas, dos quilombos, da luta armada, da preservação dos cultos religiosos, da dança, da música.
c) O negro é parte integrante da história brasileira, apesar dos muitos preconceitos que ainda persistem contra eles.
d) O Brasil figura entre os primeiros países latino-americanos a declarar por meio de muitas leis, até a promulgação da lei áurea, a libertação de seus escravos.
e) O fim do tráfico de escravos, no Brasil, ocorreu em meados do século XIX, quando começaram algumas experiências com a mão de obra assalariada de estrangeiros.
Referências:
CASTELLAR, Sônia; Maria Vanzella; CASTELLAR, Ana Paula Gomes Seferian. Projeto Athos: geografia (7º ano). São Paulo: FTD, 2014.
Geledés. A história da escravidão negra no Brasil. . Acesso em: 20/05/2020.
LUCCI, Elian Alabi; BRANCO, Anselmo Lazaro; MENDONÇA, Cláudio. Território e sociedade no mundo globalizado, Geografia geral e do Brasil, volume único. São Paulo: Saraiva, 2014.
Justificando. A busca por uma nova Roma dos trópicos. Acesso em: 20/05/2020.
Nova Escola. As origens dos negros no Brasil. Acesso em: 20/05/2020.
RIBEIRO, Darcy. O Povo Brasileiro – A formação e o sentido do Brasil. 3. ed. São Paulo: Global Editora, 2015. 368p.
SENE, Eustáquio de; MOREIRA, João Carlos. Geografia geral do Brasil, volume 3: espaço geográfico e globalização: ensino médio. 3. ed. São Paulo: Scipione, 2016.
Vestibular UOL. Darcy Ribeiro e ‘O Povo Brasileiro’ – obra ainda é chave para entender a formação étnica e cultural do Brasil. Acesso em: 20/05/2020.