Montesquieu: quem foi e a teoria da divisão dos três poderes

Montesquieu foi um filósofo francês que viveu no século XVIII e é o autor a teoria da divisão dos 3 poderes. Entenda porque essa divisão é essencial para a democracia!

Quem foi Montesquieu

Montesquieu foi um filósofo francês que viveu durante o século XVIII, uma época de grandes mudanças e famosas revoluções. Ele foi herdeiro da linha reformista da filosofia do Renascimento, que deu início ao questionamento das doutrinas religiosas, servindo de base para o Iluminismo.

Assim como Jean-Jacques Rousseau e Voltaire, seus contemporâneos, ele se dedicou ao estudo da filosofia política, tornando-se um dos filósofos mais importantes na área. Montesquieu sintetizou suas teorias em um tratado político intitulado “O Espíritos das Leis”, no qual busca solucionar os problemas que afligiam a sociedade ocidental.

Montesquieu
Retrato de Charles-Louis de Secondat, filósofo e político francês. Ficou mais conhecido por Montesquieu, pois herdou o título de Barão de Montesquieu, no qual, assume a presidência do Parlamento de Bordeaux.

O Iluminismo

Seguindo o espírito de contestação da Filosofia do Renascimento, bem como as reviravoltas do século XVII com sua revolução científica, o Iluminismo foi um movimento que ficou conhecido pela defesa de ideais marcantes para estruturação da política atual. Foi algo tão marcante que os pilares desse movimento, sustentam ainda hoje a estrutura política atual de diversas nações pelo mundo.

É válido ressaltar que a maneira como uma sociedade encara a vida influencia diretamente na maneira como ela se estrutura politicamente. Isso porque existem valores pelos quais as sociedades pautam a formulação de sistema político. Dessa maneira, campos da Filosofia, como ética e política, acabam se entrelaçando. Isso aconteceu durante o Iluminismo.

Contudo, muito antes do século XVIII é possível observar esse fenômeno. Se você quiser saber mais sobre os diferentes aspectos da compreensão da realidade, se liga no post sobre o Helenismo.

Durante o período do Iluminismo, tendo a razão como sua musa inspiradora, a Filosofia se tornou uma importante ferramenta para alicerçar as revoluções que viriam a acontecer no século XVIII. O maior exemplo foi a Revolução Francesa.

Os filósofos iluministas se pautavam numa interpretação de mundo puramente racional. Deixaram de lado toda aquela ladainha religiosa em um processo que ficou conhecido como desencantamento do mundo.

Dessa forma, a autoridade das instituições religiosas, bem como os discursos não embasados na razão, foi mitigada pelas descobertas científicas pungentes que emanavam da Filosofia. A ideia de uma monarquia estruturada e embasada no direito divino era um absurdo político calamitoso. Isso fez com que Montesquieu e outros filósofos da época investigassem maneiras de suplantar esse obstáculo.

Revolução francesa - Montesquieu
Obra de Eugène Delacroix chamada “La liberté guidant le peuple”. Nela, a liberdade guia o povo em uma batalha contra a tirania e a opressão.

Montesquieu e a separação dos três poderes

A partir da sua experiência política e da análise dos governos da época, Montesquieu afirmou que a causa do malogro político das sociedades se dava por conta do despotismo. Essa era uma forma de governo na qual uma única entidade governa com poder absoluto e que foi herdada da Idade Média.

Para solucionar os problemas acarretados por um despotismo, ou seja, de um governo absolutista, Montesquieu, não se ocupou de criticar a figura do governante – como fizeram alguns de seus predecessores. O filósofo decidiu elaborar uma teoria fundamentada na constituição de um governo que evitasse o acúmulo de poder.

Debater sobre os tipos de governo e quais figuras devem exercer o poder não é algo novo para Filosofia. Já na Grécia e em Roma os filósofos debatiam sobre isso. Inclusive, você pode conhecer essa discussão no post sobre as formas de governo em Aristóteles.

Ora, a “sacada” de Montesquieu foi propor que a figura que exerce poder tem um papel secundário frente ao tipo de poder que ela exerce. Em outras palavras, a concentração do poder em uma única entidade é o que ameaça o povo, arruinando monarquias e até mesmo as repúblicas.

Logo, para que seja possível um governo livre das garras do despotismo e que promova a liberdade do indivíduo em detrimento da tirania do Estado, o barão de Montesquieu inovou ao apresentar a separação da entidade detentora do poder no Estado.

Dessa maneira, instituições distintas seriam responsáveis por exercer o poder, gerando um enfraquecimento das entidades, mas, mais importante, gerando um equilíbrio entre elas.

Três poderes - Montesquieu
Figura com a representação dos três poderes que governam o Brasil e seus respectivos prédios.

Dos três poderes aos governos atuais

Temos, então, a premissa necessária para derrubar aquela “parada” já arcaica que foi herdada da Idade Média. A separação dos poderes asseguraria que nenhum deles pudesse ser detentor de todo o poder, já que cada parte seria restringida dos abusos pelos demais. Esse acordo mútuo é o que traria equilíbrio para sociedade e livrar-nos-ia do despotismo.

Para implementar sua teoria, trazendo-a para prática política, Montesquieu propôs a divisão do governo em três poderes:

  • Legislativo, responsável pela aprovação e alteração das leis;
  • Executivo, responsável pelo cumprimento das leis;
  • Judiciário, responsável pela interpretação das leis criadas pelo Estado.

Essa divisão serviu de base para a constituição de incontáveis governos ao longo da história, ainda que tenha encontrado grandes dificuldades na França. O sistema político do Brasil, dos Estados Unidos, da própria França e de várias outras democracias ao redor do mundo foi inspirado na teoria tripartite da divisão dos poderes.

Atualmente no Brasil – oficialmente República Federativa do Brasil – existe uma divisão entre os poderes a fim de garantir a harmonia entre o Estado e o povo. Contudo, nem sempre foi assim.

Voltando um pouco em nossa história, durante o período imperial, ainda que adotássemos um governo baseado na divisão de poderes, o regime divergia da proposta de Montesquieu. Isso porque durante esse período o governo adicionou o quarto poder, chamado de poder moderador, que era exercido pelo próprio imperador.

Regimes ditatoriais

Já durante o século XX, houve períodos de ditadura caracterizados, muitas vezes, de maneira eufêmica como regimes de exceção. Durante esses períodos, a tríade de poderes foi desfeita. Entre os anos 1937 e 1946, Getúlio Vargas efetuou um golpe de Estado, instituindo a ditadura do Estado Novo.

Vargas fechou o Congresso Nacional, pondo fim ao equilíbrio entre os poderes do Estado. Ele alegava que os demais poderes não o deixavam governar. Esse ato foi na contramão da teoria de Montesquieu. Isso porque quando há algum atrito entre os poderes, ocorre um equilíbrio entre eles, pois um poder cerceia o outro. Ao fechar o Congresso, esse equilíbrio foi rompido, trazendo de volta um Estado despótico.

Também entre os anos de 1964 e 1985, no período de ditadura militar, o Congresso Nacional foi fechado algumas vezes. O chamado Ato Institucional nº 2 garantia ao presidente da república o direito de legislar, bem como a prerrogativa de fechar o Congresso.

Indo ainda mais na contramão da teoria de Montesquieu, o Ato Institucional nº 5 fechou o Congresso e cerceou diversos direitos do povo brasileiro. Assim, o Estado brasileiro tornou-se algo muito parecido com aquilo que Montesquieu tanto se opôs: um despotismo.

Vladimir Herzog
Jornalista Vladimir Herzog que supostamente suicidou-se durante seu cárcere no DOI-CODI de São Paulo. A ausência de outros poderes durante o regime militar originou um despotismo que condenava aqueles que se opunham ao regime, ceifando, assim, milhares de vidas.
A situação brasileira após a redemocratização

Com o final da ditadura militar, o Brasil ganhou uma nova Constituição embasada nas teorias de Montesquieu. Isso permitiu que o país retomasse seu Estado Democrático de Direito, garantindo aos seus cidadãos a tão almejada liberdade.

A teoria de Montesquieu permite que nós desfrutemos de uma nação livre do despotismo e garante a liberdade individual de cada brasileiro que vive aqui. Essa separação é fundamental para manutenção e para harmonia da política no país, pois como a história já nos demonstrou, quando essa harmonia foi quebrada, a tirania e o despotismo reinaram com mãos de ferro sobre um povo oprimido.

A redemocratização garantiu também a livre expressão de ideias no país. Imagine que o próprio Montesquieu sofreu censura da Igreja e do governo. Com o fim da ditadura e a implementação da divisão de poderes, temos garantida por lei a nossa liberdade de expressão.

O paradoxo da tolerância

Todavia, não foram apenas benefícios que a essa liberdade trouxe. Vários problemas foram desencadeados a partir da separação dos poderes e da garantia de livre expressão. Um deles é o famoso paradoxo da tolerância elaborado por Karl Popper.

Paradoxo da tolerância
O paradoxo da tolerância consiste no problema originado num governo não despótico que tolera a liberdade expressão. Com essa liberdade vem também a liberdade de pedir o fim da liberdade, gerando, assim, um paradoxo.

Popper afirmou que era necessário pôr um fim ao discurso de intolerância para garantir a tolerância. Do ponto de vista de Montesquieu, podemos compreender essa situação como mais um motivo para existência de outros poderes.

Se analisarmos o Brasil, os movimentos surgidos em 2013 apresentaram uma grande insatisfação com a política nacional. Contudo, não existiu uma pauta mais concreta, o que ocasionou uma série de divergências políticas. Dentre as diversas reivindicações populares, que iam desde a volta da monarquia até a implementação do anarquismo, tivemos algumas que desafiavam as ideias de Montesquieu.

Desde então, se tornou relativamente comum ver nas ruas pessoas pedindo o fim da divisão dos poderes. É o caso das manifestações subsequentes a 2013 que pediam o fechamento do STF, do Congresso Nacional, chegando inclusive a pedirem a volta do Ato Institucional nº 5.

Essa demonstração pública da barbárie, embora tenha sua expressão garantida nos princípios da liberdade, fere toda a teoria de Montesquieu acerca da necessidade de separação dos poderes. Ora, atacar Montesquieu é atacar indiretamente os pilares do nosso sistema político. E, por consequência, atacar a liberdade em detrimento do despotismo.

Videoaula

Dá só uma olhada no vídeo a seguir e fique por dentro dos detalhes dessa “treta” envolvendo Montesquieu com sua teoria dos três poderes e as afrontas ao estado democrático de direito garantido por ela:

Por fim, a teoria de Montesquieu visa a garantir uma sociedade livre da opressão, uma vez que, se deixado sem fiscalização o poder se torna despótico. Assim, rapidamente se converte em um regime tirânico, como as inúmeras ditaduras ao longo da história nas quais apenas os detentores desse poder se beneficiavam.

Embora escrita no século XVIII, a teoria de Montesquieu sobre os três poderes é algo muito atual e que é constantemente colocada em xeque aqui na antiga Pindorama.

Exercícios
1- (ENEM 2013)

Para que não haja abuso, é preciso organizar as coisas de maneira que o poder seja contido pelo poder. Tudo estaria perdido se o mesmo homem ou o mesmo corpo dos principais, ou dos nobres, ou do povo, exercesse esses três poderes: o de fazer leis, o de executar as resoluções públicas e o de julgar os crimes ou as divergências dos indivíduos. Assim, criam-se os poderes Legislativo, Executivo e Judiciário, atuando de forma independente para a efetivação da liberdade, sendo que esta não existe se uma pessoa ou grupo exercer os referidos poderes concomitantemente.

MONTESQUIEU, B. Do espírito das leis. São Paulo: Abril Cultural, 1979 (adaptado).

A divisão e a independência entre os poderes são condições necessárias para que possa haver liberdade em um Estado. Isso pode ocorrer apenas sob um modelo político em que haja

(A) Exercício de tutela sobre atividades jurídicas e políticas.

(B) Consagração do poder político pela autoridade religiosa.

(C) Concentração do poder nas mãos de elites técnico-científicas.

(D) Estabelecimento de limites aos atores públicos e às instituições do governo.

(F) Reunião das funções de legislar, julgar e executar nas mãos de um governante eleito.

2- (ENEM 2012)

É verdade que nas democracias o povo parece fazer o que quer; mas a liberdade política não consiste nisso. Deve-se ter sempre presente em mente o que é independência e o que é liberdade. A liberdade é o direito de fazer tudo o que as leis permitem; se um cidadão pudesse fazer tudo o que elas proíbem, não teria mais liberdade, porque os outros também teriam tal poder.

(MONTESQUIEU. Do Espírito das Leis. São Paulo: Editora Nova Cultural, 1997 – adaptado).

A característica de democracia ressaltada por Montesquieu diz respeito

(A) ao status de cidadania que o indivíduo adquire ao tomar as decisões por si mesmo.

(B) ao condicionamento da liberdade dos cidadãos à conformidade às leis.

(C) à possibilidade de o cidadão participar no poder e, nesse caso, livre da submissão às leis.

(D) ao livre-arbítrio do cidadão em relação àquilo que é proibido, desde que ciente das consequências.

(E) ao direito do cidadão exercer sua vontade de acordo com seus valores pessoais.

3- (ENEM 2003)

Observe as duas afirmações de Montesquieu (1689-1755) a respeito da escravidão: A escravidão não é boa por natureza; não é útil nem ao senhor, nem ao escravo: a este porque nada pode fazer por virtude; àquele, porque contrai com seus escravos toda sorte de maus hábitos e se acostuma insensivelmente a faltar contra todas as virtudes morais: torna-se orgulhoso, brusco, duro, colérico, voluptuoso, cruel. Se eu tivesse que defender o direito que tivemos de tornar escravos os negros, eis o que eu diria: tendo os povos da Europa exterminado os da América, tiveram que escravizar os da África para utilizá-los para abrir tantas terras. O açúcar seria muito caro se não fizéssemos que escravos cultivassem a planta que o produz.

(A) o preconceito racial foi contido pela moral religiosa.

(B) a política econômica e a moral justificaram a escravidão.

(C) a escravidão era indefensável de um ponto de vista econômico.

(D) o convívio com os europeus foi benéfico para os escravos africanos.

(E) o fundamento moral do direito pode submeter-se às razões econômicas.

Gabarito
  1. D
  2. B
  3. E

Sobre o(a) autor(a):

Os textos e exemplos acima foram preparados pelo professor Ernani Silva para o Blog do Enem. Ernani é formado em Filosofia pela Universidade Estadual Paulista. Ministra aulas de Filosofia em escolas da Grande Florianópolis. Facebook: https://www.facebook.com/ErnaniJrSilva

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